Deslocamentos MEA oferece exposição, oficinas e trocas de experiências em Tucunduva
Pensar em patrimônio cultural, memória coletiva e transformações sociais não é tarefa fácil. Fazer isso, sem nenhum estímulo ou dispositivo se torna uma missão quase impossível - especialmente em contextos afastados de grandes centros urbanos. Por isso, o MEA - Memorial da Evolução Agrícola, está percorrendo os municípios do Noroeste do Rio Grande Sul, falando de arte e de possibilidades, valorizando o legado regional e despertando reflexões críticas. Foi com essa proposta que o programa Deslocamentos MEA chegou a Tucunduva, onde deve permanecer até 28 de julho.
Na noite de inauguração, Karina Muniz Viana, diretora do Memorial, agradeceu o acolhimento na cidade. “Existe um potencial na região que é admirável e o Memorial existe para auxiliar na articulação desse potencial. Eu estou muito orgulhosa do Deslocamentos, porque ele ajuda a entender que o MEA é de todos vocês”, disse. Ela também explicou que uma das propostas do programa é que pessoas de diferentes municípios possam visitar seus vizinhos, proporcionando momentos de integração, valorizando as expressões culturais próprias de cada localidade. “São municípios muito próximos, de fácil acesso, o que se torna um facilitador para a promoção do turismo regional”, completou.
Já Carla Borba, coordenadora do programa Educativo Cultural e Socioambiental do MEA, destacou a importância e a coragem das artistas locais, Maristela e Marisa dos Santos, irmãs responsáveis pela Companhia Arte Criativa, que abriga a exposição itinerante do Deslocamentos MEA. “Temos que valorizar os artistas locais porque são essas as pessoas que possibilitam que a gente veja o mundo de uma forma diferente, que a gente possa dançar, que a gente possa rir e possa se expressar”, pontuou. “Quando a gente escolheu Tucunduva para receber o Deslocamentos, tivemos certeza que seria aqui na Companhia, porque é fundamental valorizar o gesto dessas irmãs. O MEA agradece a coragem de vocês”, finalizou.
Oficinas
Na manhã de sexta-feira, 21 de junho, os primeiros visitantes chegaram à Companhia Arte Criativa, único espaço cultural da cidade. Eram sete estudantes do nono ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental São José Operário, com idades entre 14 a 17 anos. Tímidos e aparentemente dispersos, eles começam a explorar o aconchegante espaço da exposição.
Provocados pela mediadora cultural do MEA, Daiana Hartmann, eles se acomodam no sofá em frente ao televisor que passa uma série de obras em vídeo. No momento, a performance de Henrique Pasqual Santos, “Em pressão” ocupava a tela. Aos poucos, e a partir das provocações da mediadora, os risinhos abafados foram dando lugar a contribuições e a discussão se desenrolou no sentido de pensar os processos de produção de tudo aquilo que chega até nós, trazendo uma reflexão sobre condições de trabalho, cadeia produtiva, racismo.
“O Deslocamentos MEA busca provocar reflexões, usar da arte visual para comunicar questões muito sérias. Faz uma costura a partir das obras sobre passado, presente e futuro, a importância de conhecer a história e a construção de cada um, valorizando a trajetória dos que vieram antes – pessoas e tecnologias”, disse a mediadora.
Após passar pelas obras da exposição, a turma foi até uma sala contígua e sentou em círculo no chão, em colchonetes, para uma conversa sobre a importância das memórias corporais — que nem sempre são conscientes. Os jovens foram convidados a se vendarem para participar de uma atividade na qual o objetivo era sentir o próprio corpo e buscar identificar de onde vêm os estímulos, a forma de fazer, de dançar.
“Vendados, não há porque ter vergonha, ninguém está vendo. Não há problema ser ‘ridículo’, o que quer que isso queira dizer”, explicou Daiana, que encerrou o momento com um poderoso relato sobre a importância das escolhas pessoais, ainda que em contextos de adversidade.
Na parte da tarde, além da oficina prática “Diálogos Experimentais: Arte em Rádio FM”, do também curador da exposição, Estevão da Fontoura, a arquivista e mestra em Patrimônio Cultural, Amanda Higashi, e a museóloga Aline Regiane de Jesus Mota se uniram para falar sobre preservação do patrimônio cultural, organização e preservação de acervos.
Em conjunto com as pessoas responsáveis e interessados pelo tema, elas visitaram o acervo da cidade, localizado em uma sala na sede da prefeitura municipal, para pensar possibilidades para o patrimônio local. No fim da tarde, o grupo já havia traçado prioridades e os primeiros passos para pensar a conservação dos itens que ajudam a contar a história do município.
Diva Maristela Mazzardo Peripolli, que durante anos foi a responsável pelo acervo municipal, hoje é aposentada e fez parte do público da oficina, anotando cuidadosamente cada informação. Para ela, foi uma oportunidade de retomar conceitos e aprender novas estratégias. “Elas nos alertaram quais os próximos passos que temos que dar. Então agora é botar em prática. Nós já podemos limpar e tendo um ponto inicial, nós vamos com certeza dar seguimento”, disse animada.
A importância das parcerias locais
A ideia da Companhia Arte Criativa, em Tucunduva, veio de duas irmãs, Maristela Elisa dos Santos e Larissa Beatriz dos Santos. Juntas, elas queriam fazer algo diferente, unindo atividades físicas, bem-estar e arte por meio da dança. “Sempre pensamos em fazer algo em Tucunduva, por ser a nossa cidade natal. Queríamos proporcionar para nossa terra e para os nossos conterrâneos algo que não tivemos”, contam.
A ideia deu tão certo que em dois meses a Companhia conta com duzentos e cinquenta pessoas inscritas somente nas danças de salão, além de terem todas as noites ocupadas com atividades na área esportiva. Entre os próximos passos da Companhia estão rodas de conversa com jovens do município e também atividades na área teatral.
“A parceria com o MEA foi incrível para iniciarmos esse diálogo com os jovens. Se tivesse que resumir em uma palavra, seria gratidão. Desde que soube da proposta do MEA, ainda antes de ele ser inaugurado, eu falei que ele iria quebrar paradigmas. A região em que estamos tem uma cultura diferente, por vezes mais fechada. O Memorial veio para ser uma luz para a cultura local, abordando temas envolvendo questões de credo, cor e preconceitos”, contou Maristela.
Foto principal: representantes do MEA e do executivo local estiveram presentes no lançamento. Crédito: Takaki Fotos.
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